Ainda que seja difícil reconhecer, por se tratar de um segmento no qual atuo, a realidade que temos hoje é de um país que sofre com a disseminação da baixa qualificação de profissionais na área de gestão e governança, diante da grande quantidade de oferta de cursos com baixo ou nenhum referencial efetivo.
Diante dos desafios que se impõe, dia após dia, no nosso mercado e junto às empresas, boas práticas de gestão e de governança tornaram-se a base para o crescimento e a sustentabilidade de toda organização. Condição que justifica a busca frequente e cada vez maior por esse conhecimento. Porém, como é possível perceber em nosso mercado, uma grande procura e oferta não necessariamente significa grande qualidade e valor agregado.
Este aumento exponencial da oferta de qualificação de profissionais nesta área (o que me parece ser também um fato para outras áreas), vem sendo construída a partir de uma grande mistura de palavras-chave, além do escalonamento sem critério da oferta e do reconhecimento.
Nesta linha, temos desde workshops de duas horas que levam também a certificação, cursos que afirmam certificar, pois emitem um “certificado de participação” ao seu final, e certificações que incluem algumas dezenas de horas de formação e uma avaliação final, mas que possuem em seu rol de certificados, desde profissionais recém atuantes na área, como também outros de grande experiência e qualificação.
Em meio ao uso desenfreado e pouco criterioso do termo “certificação”, tornou-se um desafio para quem busca um reconhecimento compatível ao conhecimento, experiência e expectativas de retorno, e para quem busca profissionais alinhados às demandas de suas organizações, identificar com clareza o caminho a seguir.
O dilema do crescimento
Ao longo da minha vida profissional, e diante de tudo que pude observar no mundo das certificações, ficou muito claro o “terreno sempre pantanoso” das certificações binárias, ou seja, daquelas que você só tem a opção de ter ou não ter. Seja no mercado de certificação de pessoas, como de sistemas ou mesmo de produtos, ao longo do tempo, o modelo binário de certificações fatalmente entrava em conflito e passava a enfrentar dilemas constantes com as questões comerciais e de marketing de oferta da própria certificação.
Seja qual for a certificação, é natural que na medida em que há seu crescimento no mercado (e crescimento indica aumento de certificados emitidos e reconhecimento público do selo), haja também um aumento de demanda em torno da obtenção do referencial.
De um lado, o desejo em alcançar o reconhecimento, seja para “entrar no baile” ou mesmo para não ser “convidado a se retirar”. Do outro, um “doce” e quase irresistível convite a qualquer organização que forneça certificações, que passa a ter “a faca e o queijo” para surfar em meio ao crescimento de demanda (e de receita). E no meio deste cenário, aspectos que podem levar ao início do fim do referencial de excelência:
- Será que todos aqueles que ingressam no processo têm condições de obter a certificação?
- Como dizer “não” para aqueles que não reúnem as condições mínimas necessárias para ingressar no processo de certificação?
- Em se tratando de um modelo binário, como oferecer transparência e clareza a todas as partes interessadas, no que tange o nível de êxito que levou a obtenção do selo, diante do crescimento exponencial de certificados emitidos?
Porém, o que cerca todas estas questões? Qual o ponto central e crítico que permeia as decisões diante do cenário acima? A resposta a estas perguntas é uma só:
O nivelamento por baixo e os seus sinais
O “canto da sereia” diante do aumento da demanda (e de receita) no curto prazo para a certificação oferecida, leva a muitos organismos de certificação a sucumbirem, o que afeta diretamente os valores que deram origem ao referencial construído. O “branding” passa a ser o produto, e não o que ele significa, que mensagem ele traz e que valor agrega a todos que têm interesse no referencial.
Em se tratando, por exemplo, de certificações binárias de profissionais, este processo é ainda mais acelerado, oferecendo como consequência imediata o nivelamento por baixo, tanto das exigências para obtenção do selo, quanto da entrega percebida dos profissionais certificados junto ao mercado.
Neste ponto, misturam-se tanto as “certificações” obtidas em um workshop de duas horas, quanto aquelas que promovem uma certificação ancorada em um processo de qualificação e comprovação de experiências mais estruturadas. A fronteira que delimita os requisitos da certificação começa a ser cada vez mais elástica. Afinal, quanto mais profissionais certificados, maior o reconhecimento, maior o market share e maior o resultado financeiro do produto.
Em se tratando de certificação de profissionais, as quais devem (ou deveriam) compor aspectos de qualificação e experiência prévia, além de formação específica direcionada ao processo de certificação, alguns sinais começam a surgir e que demonstram este esforço pela elasticidade em prol da escala:
- Os critérios de ingresso no processo de certificação tornam-se menos importantes, ou apenas detalhes, diante da inscrição em si;
- O processo de formação específico não evolui e, em muitas ocasiões, é até canibalizado e enlatado em um formato que facilita a participação de cada vez maior número de inscritos, além de tornar seus temas e discussões mais genéricas e pouco objetivas;
- O volume de profissionais de diversos níveis e momentos de carreira ostentando a certificação aumenta exponencialmente;
- A estratégia de comunicação institucional e de marketing do organismo de certificação está mais direcionada ao seu “branding” e o da certificação, do que nos valores, objetivos e resultados que cercam o referencial.
Estar atento a estes sinais, é um passo decisivo na busca por clareza e transparência quanto aos caminhos de evolução do referencial desenvolvido.
O mercado é quem perde, mas temos saída?
Infelizmente se multiplicam no mercado exemplos em que a escala e o branding se sobrepõem ao referencial. O título tornou-se o foco, e não aquilo que ele carrega em termos de valores, entrega e resultados. Cada vez menos temos condições de separar “o joio do trigo”, e todo o mercado perde.
Perdem as empresas que ficam sem um referencial efetivo em seus processos de recrutamento e seleção de profissionais, surpreendendo-se muitas vezes diante da contratação de um novo colaborador ou parceiro certificado: “como é possível um profissional certificado não ter este conhecimento, ou não atingir este ou aquele resultado?”; e perdem os profissionais que investem nestas certificações com real propósito de agregar valor e buscar maior reconhecimento, os quais ao longo do tempo têm cada vez menor capacidade de demonstrar seu diferencial.
Todos estes aspectos são desafiadores, porém sigo acreditando e trabalhando ativamente na inversão deste processo. A pedra fundamental de todas as certificações nas quais tive e tenho a oportunidade de contribuir, foi lapidada com foco total em todos estes aspectos. Foi assim com a primeira Certificação de Conselheiros Consultivos do Brasil que ajudei a implementar no Brasil, e é assim na “versão 2.0” deste projeto, o Advisory Board Certified Member – AdCM®, a nova certificação de conselheiros consultivos que desenvolvemos.
Assista ao vídeo abaixo e me diga nos comentários: um workshop de duas horas é o suficiente para capacitar um profissional que precisa lidar com a gestão de risco em meio a uma crise?