Ainda que seja difícil reconhecer, por se tratar de um segmento no qual atuo, a realidade que temos hoje é de um país que sofre com a disseminação da baixa qualificação de profissionais, ou da construção de grupos fechados e favorecidos por fatores não necessariamente relacionados ao próprio mérito, ou por seu real perfil para atuar em determinada atividade. Nas áreas de gestão e governança não é nada incomum observarmos isso.
Diante dos desafios que se impõe, dia após dia, no nosso mercado e junto às empresas, boas práticas de gestão e de governança tornaram-se a base para o crescimento e a sustentabilidade de toda organização. Condição que justifica a busca frequente e cada vez maior por esse conhecimento. Porém, como é possível perceber em nosso mercado, uma grande procura e oferta não necessariamente significa grande qualidade e valor agregado. Em outras ocasiões, sequer significam acessibilidade e oportunidades iguais a todos os que têm condições de acessá-las.
Este aumento exponencial da oferta de qualificação de profissionais nesta área (o que me parece ser também um fato para outras áreas), ou a construção de reservas de mercado, vêm sendo construídas a partir de uma grande mistura de palavras-chave, escalonamento sem critério de ofertas, e a partir do reconhecimento e/ou formação de grupos privilegiados, muito mais por seu poder aquisitivo ou bons relacionamentos, do que propriamente pelo mérito ou perfil.
Nesta linha, temos desde workshops de duas horas que levam também a certificação, cursos que afirmam certificar, pois emitem um “certificado de participação” ao seu final, e certificações que incluem algumas dezenas de horas de formação e uma avaliação final, mas que possuem em seu rol de certificados, desde profissionais recém atuantes na área, como também outros de grande experiência e qualificação.
Temos também entidades promovendo grupos formais destes profissionais, “desde que” façam seus próprios cursos e obtenham sua própria “certificação” derivada exclusivamente dos mesmos. E assim, teriam acesso inclusive a oportunidades profissionais e outros produtos deste grande “pacote” de ofertas, desde que possam pagar por todas elas.
Neste ponto, deixo claro, porém, que nada tenho contra ampliação de portfólio e diversificação. Para quem tem certificação e atua em gestão de riscos como eu, vejo isso com absoluta naturalidade. Porém, é preciso ter critério, bom senso e ética para isso. Misturar um suposto referencial de excelência construído ao mercado (certificação), com um conjunto de entregas associadas e “casadas” ao referencial, não me parece nada adequado.
A norma ABNT ISO/IEC 17065, dedicada à gestão de organismos de certificação de produtos, por exemplo, tem em um dos seus principais requisitos a GESTÃO DA IMPARCIALIDADE nos processos de certificação. Quando o objeto da certificação é Governança Corporativa, o qual carrega consigo valores e princípios intimamente relacionados a ética, diversidade, sustentabilidade, transparência, prestação de contas, ESG etc., chega a ser contraditório ignorar estes aspectos.
Em meio ao uso desenfreado e pouco criterioso do termo “certificação”, tornou-se um desafio identificar com clareza o caminho a seguir aos que buscam o seu próprio reconhecimento, compatível ao conhecimento, experiência, perfil e expectativas de retorno, com isenção, imparcialidade, independência, acessibilidade e efetividade. Assim como, aos que buscam profissionais alinhados às demandas e desafios de suas organizações.
O dilema do crescimento
Seja qual for a certificação, é natural que na medida em que há seu crescimento no mercado (e crescimento indica aumento de certificados emitidos e reconhecimento público do selo), haja também um aumento de demanda em torno da obtenção do referencial.
De um lado, o desejo em alcançar o reconhecimento, seja para “entrar no baile” ou mesmo para não ser “convidado a se retirar”. Do outro, um “doce” e quase irresistível convite a qualquer organização que forneça certificações, que passa a ter “a faca e o queijo” para surfar em meio ao crescimento de demanda (e de receita). E no meio deste cenário, aspectos que podem levar ao início do fim do referencial de excelência:
- Será que todos aqueles que ingressam no processo têm condições de obter a certificação?
- Como dizer “não” para aqueles que não reúnem as condições mínimas necessárias para ingressar no processo de certificação?
- Como dissociar a minha necessidade em atravessar o “break even” de formação da turma (número de participantes), e que leva a minha própria certificação, e os pré-requisitos da “certificação” para admitir novas matrículas? Até que ponto serei capaz de preservar a “elasticidade” dos critérios para admitir matrículas, diante dos meus interesses em viabilizar as turmas?
- Serei capaz de “blindar” a minha certificação de outros produtos que ofereço vinculados a ela, ainda que isso provoque mal-estar, descontentamento e frustração de meus potenciais clientes destes outros produtos que também ofereço?
Há ainda o desprezo ao mérito e o conflito de interesses que eclodem de uma entidade não estruturada e aculturada como uma certificadora, diante da reserva de mercado que ela percebe que seu referencial alcançou. Esta passa a identificar oportunidades de criar seus próprios grupos, clubes, assim como prover outras entregas “casadas” à certificação, misturando e contaminando o interesse genuíno em construir um referencial de excelência de mercado para profissionais, com outros objetivos, entregas e interesses econômico-financeiros.
O nivelamento por baixo e os seus sinais
O “canto da sereia” diante do aumento da demanda (e de receita) no curto prazo para a certificação oferecida, ou reservas de mercado estabelecidas, leva a muitas empresas que afirmam ofertar uma “certificação” a sucumbirem, o que afeta diretamente os valores que deram origem ao referencial construído. O “branding” passa a ser o produto, e não o que ele significa, que mensagem ele traz e que valor agrega a todos que têm interesse no referencial.
Em se tratando, por exemplo, de certificações de profissionais, este processo é ainda mais acelerado, oferecendo como consequência imediata o nivelamento por baixo, tanto das exigências para obtenção do selo, quanto da entrega percebida dos profissionais certificados junto ao mercado.
Neste ponto, misturam-se tanto as “certificações” obtidas em um workshop de duas horas, quanto aquelas que promovem uma certificação ancorada em um processo de qualificação e comprovação de experiências mais estruturadas, assim como aquelas que estão associadas a outros produtos que se conflitam às premissas de um referencial de mercado. A fronteira que delimita os requisitos da certificação começa a ser cada vez mais elástica. Afinal, quanto mais profissionais certificados, maior o reconhecimento, maior o market share e maior o resultado financeiro do portfólio oferecido por uma única entidade.
Em se tratando de certificação de profissionais, as quais devem (ou deveriam) compor aspectos de qualificação, perfil e experiência prévia, além de formação específica direcionada ao processo de certificação, alguns sinais começam a surgir e que demonstram este esforço pela elasticidade em prol da escala:
- Os critérios de ingresso no processo de certificação tornam-se menos importantes, ou apenas detalhes, diante da inscrição em si;
- O processo de formação específico não evolui e, em muitas ocasiões, é até canibalizado e enlatado em um formato que facilita a participação de cada vez maior número de inscritos, além de tornar seus temas e discussões mais genéricas e pouco objetivas;
- O volume de profissionais de diversos níveis e momentos de carreira ostentando a certificação aumenta exponencialmente;
- A estratégia de comunicação institucional e de marketing do organismo de certificação está mais direcionada ao seu “branding” e aos produtos “casados” à certificação, do que nos valores, objetivos e resultados que cercam o referencial.
Estar atento a estes sinais, é um passo decisivo na busca por clareza e transparência quanto aos caminhos de evolução do referencial desenvolvido.
Todos estes aspectos são desafiadores, porém sigo acreditando e trabalhando ativamente na inversão deste processo. A pedra fundamental de todas as certificações nas quais tive e tenho a oportunidade de contribuir, foi lapidada com foco total em todos estes aspectos. Foi assim com a primeira Certificação de Conselheiros Consultivos do Brasil que ajudei a implementar no Brasil, e é assim na “versão 2.0” deste projeto, o Advisory Board Certified Member – AdCM® (clique e conheça!), a nova Certificação de Conselheiros Consultivos que desenvolvemos.