Em algum momento já refletiu sobre a analogia entre implementação e certificação de sistemas de gestão, e a nossa saúde? Isso mesmo, a saúde individual de cada um de nós!
Como profissional que está imerso no universo das certificações e busca, cada vez mais, mostrar a realidade na qual vivemos e o que devemos fazer para mudá-la, procuro relacionar questões importantes a serem debatidas com situações do nosso cotidiano para que fique mais clara a necessidade de mudança. Por isso, hoje trago aqui neste artigo uma comparação entre a saúde das pessoas, uma questão médica, com as certificações em gestão.
O saudável que não está saudável
Vamos começar pelo ponto em que uma empresa possui vários sistemas que precisam funcionar bem e de forma equilibrada, para que tenha saúde financeira, econômica, estratégica, enfim, sustentabilidade do negócio. Então, temos a área comercial, administrativa, financeira, área patrimonial, recursos humanos e por aí vai. Para todas essas áreas, é preciso ter uma gestão eficiente em torno delas. Então, quando essa gestão funciona bem, alinhando todas essas áreas e fazendo com que cada uma trabalhe em cima das suas responsabilidades, fazendo com que as atividades aconteçam de forma eficiente, a empresa consegue atingir os seus objetivos, que estão diretamente relacionados a ter saúde financeira, ter perspectiva de perenidade, de sustentabilidade no tempo, e eventualmente até de crescimento e expansão. Então, todo o “organismo” trabalhando com as áreas alinhadas e em conjunto, consegue proporcionar a efetividade do negócio.
Esse tipo de situação acontece da mesma forma com o ser humano, com o nosso corpo. Nosso organismo é repleto de sistemas.
Temos o sistema sanguíneo, ósseo, nervoso, motor, digestivo e etc. Quando estão trabalhando muito bem em conjunto, equilibrados, nos proporcionam saúde, certo?
Então, vamos analisar a seguinte situação: você resolve iniciar uma prática de esporte e vai fazer a matrícula em uma academia, por exemplo. Lá lhe pedem um atestado que comprove que está apto para realizar as atividades. Você vai ao seu médico de confiança e fala para ele: “Doutor, acredito que preciso fazer alguns exames para comprovar que estou bem de saúde e você emitir o atestado para eu apresentar na hora da matrícula. Tenho objetivo de competir, de ser campeão no esporte, então meus treinamentos tendem a ser bem intensos para deixar minha performance em alto nível”.
O médico então responde: “Tudo bem, vamos realizar alguns exames gerais e outros mais específicos para ter certeza do seu estado de saúde. Vamos fazer exame de sangue, uma bateria de exames cardiológicos, teste de esforço, ecocardiograma e uma ressonância no cérebro para verificar se há alguma possibilidade e risco de problema futuro com a intensidade dos treinos”.
Ainda impactado com a quantidade de exames mencionados, você vira para o médico e afirma: “Doutor, não precisa fazer tudo isso não. Vamos só fazer o exame de sangue. Se estiver tudo ok, você emite o atestado e me libera, ok?”. É claro que nenhum médico concordaria com uma proposta dessas!
Mas então, por que estou trazendo esse contexto? Porque é exatamente esse o cenário que temos no universo da implementação e certificação da gestão nas organizações. A diferença é que no atual mercado de auditoria e certificação de conformidade de sistemas de gestão empresariais, muitas vezes o “médico” não está nem um pouco preocupado com o significado do seu diagnóstico…e o pior é que a organização certificada também não!
Priorizando a superficialidade, a ausência de seriedade, e o caminho mais fácil para o objetivo de curto prazo, o cliente ávido pelo “atestado que o libera para o esporte”, e o “médico” focado em satisfazer o cliente a baixo custo para mitigar o risco de perdê-lo, contentam-se com amostras e resultados insuficientes e nem um pouco alinhados aos verdadeiros objetivos e riscos relacionados. E o que acontece? Quem sabe um aneurisma que “explode” em um paciente “saudável”, caracterizado por uma empresa certificada em gestão da qualidade há 10 anos, que perde market share e “quebra” diante da crescente e reincidente insatisfação acumulada de clientes? O que acha? “Morreu”, mas estava “saudável”, não é verdade?
Imagine que você conseguiu o primeiro atestado apenas fazendo o exame de sangue, mas nos treinamentos começa a sentir uma dor de cabeça fora do normal. Não dá bola. Passa um tempo, a dor permanece e você precisa apresentar novamente o atestado à academia onde treina. Volta no médico, pede o atestado. Ele lhe questiona se quer fazer os outros exames, mas diz que não precisa, mesmo tendo dor constante. Sigamos com a superficialidade de novos exames de sangue e um novo atestado para mais alguns meses de treino. Alguns meses depois, um AVC ou algum outro problema gerado por aquela dor de cabeça constante, e que faz com que fique impossibilitado de realizar as atividades ou, até mesmo em casos mais severos, tira sua própria vida.
Por muito tempo, o foco de todos os lados em termos de excelência em gestão tem sido: “Eu quero me certificar”; “Quero uma certificação urgente, pois preciso passar no cadastro do cliente A”; “Preciso da certificação, pois estou perdendo mercado para o concorrente B”. E assim, cria-se um ambiente no qual o objetivo é distorcido, a realidade mascarada, os investimentos insuficientes, e os resultados seguem sem qualquer conexão e sinergia com a estratégia e efetividade do negócio.
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Você “fatiaria” seu diagnóstico de saúde?
Um exemplo clássico dessa situação é imaginar uma indústria que possui dois escopos de serviço: a fabricação e assistência técnica de computadores. Ela então resolve certificar apenas o sistema de gestão da qualidade dos serviços de assistência técnica, ignorando a gestão do setor de fabricação. Ou ainda, a organização decide que somente quer certificar o programa de integridade implementado junto às rotinas e processos de pós-venda, ignorando, por exemplo, o setor de licitações públicas!
Isso é basicamente o que acontece quando o paciente vai ao médico, limitando os pedidos de exames apontados pelo profissional de saúde, apenas aos que ele está disposto a testar, tendo em vista seu objetivo de obter um atestado o quanto antes, e da forma mais tranquila possível. Tem cabimento fatiar seu diagnóstico para focar apenas nos indicadores os quais você tem confiança de estarem saudáveis? A quem este processo está enganando prioritariamente?
Quando se trata da sua saúde, seria um absurdo, não é mesmo? Porém, em se tratando da saúde das empresas e de sua gestão, é exatamente isso que acontece.
Quando a empresa está mais preocupada em ter a certificação para participar de determinado grupo, para entrar no cliente X, para divulgar uma imagem irreal ao mercado, ela está olhando a certificação apenas como um instrumento, um ingresso temporário para uma “festa que deseja participar”, ignorando por completo a importância das boas práticas, dos conceitos e das boas políticas de gestão em prol da perenidade e sustentabilidade do próprio empreendimento.
É difícil acreditar e ficar quieto vivendo em um mundo dinâmico, com mercado amplo e competitivo que ainda admite certificações que pressupõem excelência em gestão com sistemas nada saudáveis.
Artigo publicado originalmente na minha coluna no Tribuna da Imprensa Digital