Se você acompanha meu conteúdo com frequência por aqui, sabe o quanto falo sobre pensamentos e estratégias errôneas que a maioria das organizações têm acerca dos aspectos de implementação e certificação de sistemas de gestão. Entre tudo o que já vi e continuo presenciando, existe uma falha que considero ser o maior pecado da implantação e certificação no Brasil, e é sobre isso que abordarei hoje.
Em meio ao processo de implementação e consequente certificação de seus modelos de gestão, as organizações acabam investindo uma quantidade considerável de recursos financeiros, humanos, de tempo e energia, para implementar todo o processo. Condição esperada quando falamos de processos e estrutura que adequam as principais atividades da organização e sua cultura em torno de requisitos normativos padronizados. Porém, como tenho destacado em artigos anteriores, a excessiva “commoditização” destes modelos de gestão, e a igualmente crescente canibalização dos seus referenciais de avaliação e certificação, culminando com fracos resultados de desempenho, produtividade e competitividade no mercado, são elementos de um ecossistema comprometido por um fator predominante: a quase completa ausência de sinergia e conexão de implementação (e certificação) entre os modelos de gestão implementados, e o core business da organização, seus objetivos estratégicos e seus riscos específicos.
O que isso representa no dia a dia do mercado?
Diante desta condição, a conhecida relação oferta versus demanda, tão conhecida na economia, torna-se uma realidade também por aqui, porém tendo como principal ativo o conhecimento e qualificação profissional.
Na medida em que os processos de implementação de modelos de gestão canibalizam-se a si mesmos, tendo como principal objetivo a sua certificação, e não os resultados e aumento de valor que a organização espera obter deste investimento (e a certificação tornar-se-ia apenas uma consequência natural deste trabalho), o nível de qualificação e competência dos profissionais que atuam nestas áreas passa a ser compatível a esta canibalização.
Não menos valorizado torna-se também o trabalho, competência e a qualificação dos organismos (e de seus profissionais) que atuam no processo de avaliação e certificação destas mesmas organizações.
Em complemento a esta ampla deterioração de um ecossistema que propunha-se ser de busca pela “excelência”, esta baixa valorização do trabalho de avaliação e certificação, impacta também nas próprias etapas e demandas que cercam esse processo: amostragens cada vez menores de evidências, avaliações superficiais de requisitos, e desconhecimento dos avaliadores quanto às características e objetivos da organização avaliada.
Voltando a origem deste ciclo, e como já mencionado, o processo de implementação de modelos de gestão em meio a este ecossistema em franca vulgarização, torna cada vez mais distante a expectativa de expansão de resultados e de ganho de valor para a organização e todas as suas partes interessadas.
Em resumo, com foco único e final na certificação (e no caminho que leva a mesma, com o menor esforço e maior agilidade possível), a organização literalmente desperdiça recursos na construção de um “castelo de areia”.
Atuando em adaptações e redesenhos de processos internos, com foco exclusivo nos requisitos a serem atendidos para obter a certificação (e não em seus objetivos e riscos), a organização muitas vezes submete “peças quadradas” de sua gestão ao seu encaixe em “formas elípticas”, incluindo todas as “escoriações nas peças”, decorrentes desta prática. Não vai funcionar.
É possível implementar um modelo de gestão de forma rápida, apenas para mostrar ao auditor que foi implementado, objetivando a certificação? Toda a canibalização demonstrada e os resultados que o mercado brasileiro vem colhendo a despeito de seu alto volume de certificações de modelos de gestão, quando comparados a outros países, indicam claramente que sim!
Por outro lado, o que toda essa condição demonstra? A despeito do foco no menor esforço e na agilidade da obtenção da certificação, todo e qualquer processo como esse envolve, necessariamente, doses relevantes de investimentos, energia e desgastes. Então, por que não fazer da maneira produtiva e com foco nesses ganhos de resultado e valor?
Nesse ponto, temos o que considero ser o maior pecado deste mercado: a perda contínua e crescente de oportunidades de transformação positiva das nossas organizações, que levariam a ganhos de produtividade, confiabilidade e competitividade, além de mudanças positivas na cultura organizacional. Perdas essas que ocorrem, mesmo diante dos investimentos que já estão sendo realizados em torno de modelos que se propõe a indicar os caminhos para estes ganhos.
A “elevação da barra” de qualificação, competência, expectativas e resultados, a partir das boas práticas de gestão no mercado, provocaria uma grande onda de transformação positiva em toda a cadeia produtiva, culminando com o seu crescimento econômico e de sustentabilidade.
No vídeo abaixo, o Gerente de Conformidade e Governança da BRA Certificadora (Arthur Dorigo) traz estatísticas importantes, e que demonstram os efeitos reais em torno da implementação de práticas de gestão (no caso gestão anticorrupção ou antissuborno), sem adequado esforço ou dedicação na transformação genuína da cultura organizacional.