Atuar como conselheiro de empresas tem se tornado o caminho natural de carreira (ou da transição desta) para diversos profissionais, executivos e gestores. Se antes esse assunto parecia exclusivo de grandes empresas e corporações, especialmente para as chamadas sociedades anônimas (S.A.) – empresas de capital aberto, nos últimos anos a Governança Corporativa tem se tornado exponencialmente um tema muito mais valorizado, procurado e acessível em todos os níveis de mercado e de empresas, em especial para pequenas e médias empresas, assim como para as chamadas empresas startups.
Se para as PMEs, investir em Governança Corporativa vem se tornando um caminho necessáriopara seu crescimento, sustentabilidade, e até mesmo para sua sobrevivência, para as startups, a Governança Corporativa tornou-se um sistema necessário para construir e manter um ambiente mais propício e seguro para que o investidor realize o aporte de capital.
Neste caminho, depois de atingir o sucesso profissional e construir a carreira de executivo em grandes empresas, com muitas experiências, formações e resultados positivos no currículo, muitos profissionais passam a buscar novos desafios impulsionados pela percepção de que estariam aptos a aportar tamanha trajetória em empresas que ainda demandam visão mais qualificada, sistêmica, profissional, imparcial e externa à sua estrutura e cúpula decisória.
Por outro lado, aos olhos destas organizações de pequeno e médio porte, este torna-se um caminho mais rápido, economicamente viável e, por consequência, bem interessante para que sua estrutura disponha de um profissional de alta qualificação e experiência, visando a busca de auxílio para tomada de decisões, melhor controle e direcionamento do negócio.
Porém, será que todo executivo e gestor de grandes empresas esta automaticamente preparado para atuar como conselheiro em empresas de pequeno e médio porte? Neste momento, você deve estar pensando: “Não! Exatamente por isso que muitos destes profissionais recorrem a cursos e formações em Governança Corporativa largamente oferecidos ao mercado, diante da iminente transição de carreira.” Mas, será que é só isso?
Como o conselheiro prepara o “mindset” para este universo?
Contrastando com a realidade existente nas grandes corporações por onde passou, em que sua posição de liderança, além de toda a estrutura e a oferta de recursos disponíveis, oferece um ambiente mais controlado, profissionalizado, sistematizado e verticalizado para as decisões e ações, na posição de conselheiro de PMEs, em muitas ocasiões o cenário e sua posição apresentará uma realidade bem diferente:
- Ambiente de trabalho repleto de pessoalidades, informalidades e relações entre os acionistas, executivos e gestores que extrapolam as fronteiras da organização, ao mesmo tempo em que parecem permear (mesmo que veladamente) todas as discussões dentro destas “fronteiras”;
- Acionistas e fundadores tomando decisões monocráticas, e que muitas vezes conflitam, contradizem, rivalizam e “atropelam” as discussões e as próprias decisões do colegiado;
- Opiniões e discussões carregadas de emoção, sentimentos, nostalgia e apego à cultura, hábitos, estrutura e pessoas que construíram o negócio até aquele momento;
- Ausência de planejamentos estruturados, de disciplina com agendas e prazos, de processos e controles, de transparência e acessibilidade de informações e indicadores;
- Preconceitos e barreiras instauradas (conscientes e inconscientes) diante de qualquer agente externo que desembarque na organização, diante da percepção natural de que se trata de alguém que virá ameaçar o poder estabelecido, expor fraquezas, ameaças e “sacudir” a zona de conforto, que muitas vezes são muito mais confortáveis quando ignoradas. Condição esta, que pode ser ainda potencializada diante do nível de egocentrismo de fundadores e atuais executivos; e
- Rivalidades e conflitos internos instaurados há anos sem resolução; desentendimentos pessoais que invadem veladamente discussões e decisões organizacionais; herdeiros mal preparados e sem qualquer apego ao negócio; disputas entre famílias acionistas pelo maior controle e participação; acionistas e até executivos “parasitas”.
Em resumo, costumo descrever o ambiente de gestão e governança predominante dentre as PMEs nacionais como algo “naturalmente caótico”.
E como isso impacta no “mindset” do ex-executivo, ex-gestor de grandes corporações, que decide se aprofundar no tema Governança Corporativa e “aterrissar” toda sua experiência e qualificação para ajudar estas organizações?
Impacta na medida em que esse profissional precisa estar adequadamente preparado em termos de consciência da realidade, assim como na disposição de absorver e desenvolver ferramentas pessoais e comportamentais que sejam facilitadoras (e não barreiras ainda maiores) para enfrentar todo esse cenário.
Neste ponto, o egocentrismo, o orgulho e a soberba; a comunicação e o gestual demasiadamente “professoral”; o monopólio da razão e a ausência de sensibilidade; a insistência excessiva em ditar ritmos, tempos e movimentos que considera ideal para si (não necessariamente para os demais); o hábito da escuta pouco ativa e do “eu decido, e todos me seguem”; a ansiedade em alcançar resultados nos prazos esperados; a dificuldade em lidar com contratempos, mudanças constantes de planos; a intolerância e impaciência aos que parecem “saber menos” ou não compreenderem “o óbvio”; a tentativa de ignorar conflitos e disputas pessoais e familiares presentes, pois “não são problema meu”…são diversos aspectos que precisam fazer parte de autorreflexão, autoconsciência e, ato contínuo, preparo adequado e amadurecimento do profissional hiper experiente e qualificado como executivo, porém agora na posição de conselheiro.
Atuar como conselheiro em PMEs vai muito além do domínio das teorias, princípios e ferramentas de Governança Corporativa, ainda que estas sejam imprescindíveis.
Em se tratando da nossa conhecida cultura latino-americana, com características paternalistas e que deixam as emoções falarem mais alto em decisões e situações de debate, estas questões tornam-se ainda mais relevantes e decisivas para o sucesso.
Questões muitas vezes deixadas de lado, passam a ser fatores decisivos de sucesso (ou insucesso): resiliência, resignação, paciência, humildade, comunicação afetiva, inteligência emocional, postura, empatia e etc. Em especial, é preciso trabalhar a arte do possível em meio a tantas barreiras, desafios e cultura contrária às melhores práticas de governança e gestão.
Compreenda: diante de muitos dos fundadores e empreendedores que alcançaram sucesso e prosperidade, apesar do ambiente de negócios sabidamente hostil como o nosso, o seu currículo de sucesso profissional será “apenas” a chave que o fará escolher você para participar do controle, direcionamento e das principais decisões da empresa. Toda sua história, repleta de bons resultados, crescimento profissional e sucesso, todos os seus diplomas e postura excessivamente racional e profissional, em muitas ocasiões e para estes mesmos fundadores e empreendedores, terão pouco ou nenhum significado e importância, diante de tudo que ele foi capaz de construir sem a sua postura, qualificação, experiência e estrutura disponível. A não ser que você saiba conduzir tal condição na direção, ritmo e com uma postura efetivamente agregadora e construtiva aos olhos dos seus pares, e até que os resultados “falem por si só”.
Muito provavelmente, a decisão de contratá-lo não foi necessariamente uma vontade do fundador, ou uma unanimidade entre os acionistas e executivos, mas sim um duro processo de convencimento e até imposição, muitas vezes surgido a partir da exigência de alguém mais consciente e preparado para mudança (seu provável grande aliado neste processo), ou a partir de um novo investidor ou acionista; a partir de situações, problemas e conflitos que se arrastam sem qualquer perspectiva de solução (insolvência iminente, sucessão, conflitos societários e entre herdeiros); ou mesmo a partir de expectativas criadas por melhores resultados e crescimento em nível que os atuais governantes não parecem aptos a alcançar sem apoio (o que não deve ser muito confortável aos próprios dirigentes, em um primeiro momento).
Saber se comunicar ao compartilhar diagnósticos e conceitos iniciais; enfrentar desconfianças e vencer preconceitos; compreender e até mediar conflitos; construir pontes, conexões, relações de confiança e alinhamentos; adaptar raízes corporativas para uma nova cultura de governo e gestão, sem ignorar o que trouxe a organização até o momento atual; ser capaz de flexibilizar ações, decisões, metas e prazos, de acordo com a própria capacidade e percepção do melhor que pode ser feito naquele momento, diante da realidade, dos recursos e da receptividade percebida, porém sem deixar de almejar o ótimo.
E aí: você está preparado para encarar essa realidade, estes desafios e dilemas na posição de conselheiro de pequenas e médias empresas?
Para os que tiverem interesse em conhecer um pouco mais sobre este tema, o abaixo compartilho uma apresentação gravada para o seminário “Tone at the Top Leadership Convention” do Institute of Corporate Directors Zimbabwe ocorrido em Junho/22, onde tive a oportunidade de falar um pouco sobre a importância da priorização e da “arte do possível” para lideranças.