Entre os anos de 2015 e 2016, período do auge da Operação Lava-Jato, tive a oportunidade de participar diretamente da construção de um modelo de certificação de gestão diferenciado e dedicado aos programas de integridade, ou sistemas de gestão anticorrupção, implementados em organizações.
A minha experiência profissional na implementação e certificação de sistemas de gestão diversos, seguindo o modelo tradicional aplicado às normas ISO, foi determinante para apontar em algumas direções para as quais não desejava caminhar.
A progressiva “commoditização” dos selos de certificação ISO, já tratados em artigos anteriores, na minha opinião, seria exatamente aquilo que o mundo empresarial sério, escandalizado com todos os fatos que estavam vindo à tona naquele momento, não precisava para engajar-se na transformação ética do ambiente de negócios.
No entanto, seria inevitável que o modelo tradicional de implementação e certificação de sistemas de gestão viesse a avançar sobre este tema e, ao final 2016 e início de 2017, a primeira norma de gestão dedicada ao assunto foi lançada: ISO37001 – Requisitos para Sistemas de Gestão Antissuborno (assim como outras têm surgido nos últimos tempos). Na esteira desta publicação, a corrida para certificação começava, incluindo até mesmo a incrível história de uma empresa nacional que obteve esta certificação antes mesmo da norma ser publicada no Brasil.
Pessoalmente, e seguindo o planejamento estratégicoque definimos, tinha confiança de que seria necessário aguardar algum tempo, até que a corrosão atual das certificações de modelos de gestão atingissem também o tema corrupção. Tínhamos que estar preparados para este momento, para conseguirmos apresentar com clareza, como seria possível construir um caminho diferente, mais efetivo e genuíno em termos de construção de valor.
A confiança de que este momento chegaria se baseava, e ainda se baseia, em uma premissa muito objetiva: enquanto não discutirmos de forma sincera e objetiva a atual estrutura que rege os processos de certificação de modelos de gestão, ainda que as normas sejam as melhores já criadas, é praticamente impossível avançarmos na construção de valor real para as organizações e para a sociedade, a partir destes referenciais.
Até quando seguiremos desperdiçando tempo, energia e recursos na implementação de modelos de gestão, como o que já acontece na área de compliance? Até quando seguiremos enxergando a certificação como um objetivo, e não como uma consequência natural de uma gestão implementada de forma efetiva, estruturada, e alinhada aos interesses e objetivos de todas as partes interessadas da organização?
Por que está mais do que na hora olharmos com mais atenção às certificações de programas de integridade?
Como já demonstrei estatisticamente antes, ao analisar os atuais resultados produzidos por modelos de gestão certificados nas áreas de qualidade, saúde e segurança ocupacional, e meio ambiente, por exemplo, não é nada difícil constatarmos o progressivo descasamento entre confiança, valor e volume de certificações.
Então, qual sentido existe em aplicar este mesmo modelo para as certificações de programas de integridade? Qual valor, segurança e confiança pode existir para um modelo de certificação voltado para a integridade, no qual há a possibilidade de “fatiamento” da certificação, definindo qual o local ou escopo de atuação passaria ou não pela avaliação da entidade certificadora?
Imagine uma empresa com 10 unidades espalhadas pelo Brasil tendo apenas três destas unidades com seu programa de integridade certificado. Qual o sentido disso?
Agora imagine um outro cenário, no qual apenas um dos escopos de atuação da organização foi submetido ao processo de certificação. Por exemplo, vamos imaginar que a empresa vende e fabrica móveis, incluindo sua constante participação em licitações públicas de fornecimento de mobiliário. Porém, esta organização também atua em assistência técnica de dobradiças de mobiliário. A empresa opta então por certificar seu programa de integridade apenas para os serviços de assistência técnica, deixando de fora a operação de venda. Qual valor esta certificação estaria agregando? Como esta empresa estaria se comunicando com o mercado, diante da obtenção desta certificação?
É preciso repensar o modo como estamos lidando com o tema, e o que estamos fazendo em prol da transformação do nosso mercado na direção da cultura da ética e integridade.
Não é possível seguirmos produzindo um “mundo de faz de contas” em torno de temas que são absolutamente relevantes e impactantes para produzir a tão necessária transformação de nosso ambiente de negócios.
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Tribuna da Imprensa Digital