Ao longo dos últimos 25 anos, as certificações de sistemas de gestão (qualidade, meio ambiente, segurança e saúde ocupacional e, mais recentemente, antissuborno e compliance), se popularizaram e alcançaram uma enorme quantidade de organizações no Brasil, a ponto do país estar sempre dentre os que mais possuem certificados válidos no mundo, conforme dados anuais divulgados pela própria Organização Internacional de Normalização (ISO).
Por outro lado, qual resultado ou valor real é percebido em nosso mercado a partir das certificações da gestão de nossas organizações? Será que é possível afirmar que o aumento crescente caminhou de forma conjunta com o aumento do nível de gestão, planejamento e competitividade nas nossas organizações, comparadas a empresas de outros lugares do mundo (verifique a posição do Brasil em rankings de competitividade global)? Será que houve incremento perceptivo da confiança e satisfação do consumidor final? Da segurança do trabalho e preservação do meio ambiente? Do incremento da cultura da ética e das boas práticas nos negócios?
Se sua resposta foi negativa (e eu acredito que sim), precisamos compreender o que está acontecendo, onde estamos errando, que rumo foi esse que construímos para estes referenciais nos últimos anos e o que devemos fazer para mudar essa realidade.
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A vulgarização de um pretenso referencial de excelência compromete toda uma cadeia de rastreabilidade e credibilidade, que é o maior valor a ser entregue nestas situações. Torna-se impossível o chamado benchmark, pois além da baixa efetividade destacada, o modelo de avaliação de conformidade de característica binária é incapaz de diferenciar onde ou o que de fato atingiu a excelência e conformidade esperada para ostentar o desejado selo.
Mais do que vulgarizar o próprio referencial, toda essa “commoditização” dos chamados “selos” de certificação de sistemas de gestão provoca uma grande reação em cadeia de baixo valor agregado, e em que todos perdem:
- Reduz significativamente a relevância e o reconhecimento público de métodos consagrados mundialmente;
- Descredibiliza empresas que realmente investem nestes modelos de gestão consagrados, e colhem resultados compatíveis a estes investimentos; e
- Desvaloriza profissionais que atuam e se qualificam nos temas relacionados, visando atingir a excelência de resultados no apoio às organizações que desejam investir nestes mesmos métodos.
Ou seja, toda a cadeia de soluções de mercado associadas ao tal selo passa a operar de acordo com a “altura da barra” que o próprio selo promoveu.
Adicionalmente, e em alguns casos, uma outra anomalia também surge a partir desta realidade: os “selos dos selos” ou a “certificação das certificações”. Tratam-se de situações extremas em que, carente de confiança e transparência em torno de um referencial de excelência estabelecido, o próprio mercado constrói um selo ou processo auxiliar para reduzir riscos e verificar a efetividade real de uma certificação concedida. Situação que se traduz em mais custos, burocracia e nenhuma ação efetiva junto à causa base do problema existente.
Em minha opinião, o primeiro passo para compreendermos em que estamos errando é enxergarmos que certificados e auditorias não são o produto final de um organismo de certificação, ou honest broker, mas sim a credibilidade, rastreabilidade e o valor percebido no mercado, e relacionado ao objeto da certificação.
E essa percepção surge tanto na própria entidade certificada, quanto junto às suas partes interessadas, de forma transparente e progressiva.
Em segundo aspecto, e dentro da perspectiva do anterior, é importante reconhecer que comunicação institucional de organismo de certificação não deveria estar pautada no volume de auditorias ou certificados emitidos dentro de determinado período de tempo, mas nos resultados que as entidades certificadas foram ou estão sendo capazes de alcançar, a partir do modelo de gestão implementado e certificado por estes.
Por fim, é fundamental que estes mesmos honest brokers compreendam que além do fato de que a certificação de um modelo de gestão é um referencial para o mercado, o selo é principalmente um referencial para a própria organização certificada. Desta forma, compreender, conhecer, estudar e interpretar os padrões de conformidade e os métodos de avaliação das práticas de gestão, alinhados à estratégia organizacional (objetivos estratégicos) de cada entidade avaliada, não é somente uma necessidade, mas um compromisso que tem que ser assumido por aqueles que se propõe a entregar valor a todas as partes interessadas.
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Como gerar novo valor referencial às Certificações de Sistema de Gestão
Nos atuais processos de certificação de sistemas de gestão, a componente “subjetividade” é inerente ao modelo, tanto na interpretação dos requisitos normativos, quanto na identificação e “leitura” das evidências em cada organização avaliada.
O papel do auditor é analisar o que foi apresentado e fazer o julgamento quanto à conformidade em relação ao requisito do padrão normativo. Porém, mais do que analisar as evidências sob a ótica do requisito normativo, o auditor precisa também analisar a implementação do requisito frente aos objetivos estratégicos daquela organização e os eventos de risco associados aos mesmos. Para isso, o preparo e a busca de informações prévias a respeito da organização, sua estrutura, características, cultura e mercado são etapas fundamentais. Algo que vai muito além da simples leitura do manual de gestão e de alguns procedimentos enviados pela organização, em preparação para a auditoria.
Envolve conhecimento de técnicas de avaliação e gestão de riscos, planejamento estratégico e métodos de implementação de melhorias em processos.
Um outro aspecto diz respeito ao modelo predominante de avaliação de conformidade, e neste caso reconheço que representa uma discussão mais profunda. Seguimos um modelo considerado binário (certificado x não certificado). Ao meu ver, esta condição acaba contribuindo para a vulgarização já destacada, dificulta a transparência dos resultados alcançados e caminham na contramão do conceito de melhoria contínua esperada para sistemas de gestão certificados. Afinal, se já alcançou o selo almejado, como evidenciar com transparência a melhoria contínua efetiva e progressiva?
Acredito que precisamos rever o modelo atual, tornando-o compatível com a demanda de nossa realidade, com as lições aprendidas e com as expectativas em torno do referencial. Para isso, uma maior e melhor qualificação da equipe auditora; o melhor preparo anterior ao processo de avaliação presencial; a definição de um novo modelo, subdividido em níveis ou camadas de conformidade (incluindo rastreabilidade do histórico evolutivo); e a implementação de um novo calendário e periodicidade de avaliação, que permita uma maior “imersão” no cotidiano mais próxima possível da realidade da organização avaliada, são alguns dos aspectos os quais considero de grande relevância.
É urgente revermos essas questões e pensarmos de forma inovadora no que tange os atuais referenciais das certificações de sistemas de gestão e seus modelos de avaliação de conformidade relacionados. Quanto mais tempo permanecermos nesse ciclo, cada vez menor será a credibilidade destes referenciais, assim como cada vez menor será o valor agregado deste modelo para o mercado e para todas as partes interessadas.
Qual sua opinião sobre o cenário das certificações no qual vivemos hoje?
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Tribuna da Imprensa Digital